A dança está presente no Arte Pará 2019 com a participação singular da Companhia Moderno de Dança, grupo que traz ao Museu do Estado do Pará a obra em videodança Na Beira, presente na mostra Deslendário Contemporâneo – 80 anos de Paes Loureiro, com curadoria de Orlando Maneschy e Keyla Sobral e que acontece no Museu do Estado do Pará e que terá apresentações do espetáculo de dança de mesmo nome no Teatro Waldemar Henriques nos dias 12 e 13 de novembro e 04 e 05 de dezembro, 20h (capacidade limitada).  

 

 A Companhia Moderno de Dança é um grupo de dança que optou pela pesquisa da dança enquanto linguagem, procurando desvelar vocabulários de movimento e relações espaço-temporais com conteúdos ligados às próprias vidas dos integrantes. A Companhia implementou a Dança Imanente, que é um escopo teórico poético que figura ainda como metodologia norteadora para a construção de suas práticas. Nesse sentido, se configura como um grupo de pesquisa, sendo formada por artistas-pesquisadores atuantes em diversos campos, o que se apresenta como fator determinante em seus processos artísticos e acadêmicos, muitos destes que se desenvolvem na Universidade Federal do Pará, onde nasce o espetáculo Na Beira, dentro do Programa de Pós-Graduação em Artes.

 Na Beira, espetáculo que participa do Arte Pará 2019 surge na pesquisa de doutorado da bailarina e diretora artística Luiza Monteiro, inspirado no conceito de encantarias trabalhado pelo poeta e professor João de Jesus Paes Loureiro, grande homenageado no Arte Pará. A obra nasce das encantarias do corpo amazonida, que estão submersas em suas profundezas, e que no espetáculo ganham a possibilidade de emergir durante as cenas. Os intérpretes-criadores propoem-se a ir além do aparente do corpo, daquilo que é visível, como uma oportunidade de trazer à tona, os nuances do processos subjetivos, das encantarias que são profundas do ser, e externarem por meio da dança essas questões. Sendo assim, as danças imanentes apresentadas na obra são revelações dos seres encantados que habitam nos corpos criadores do espetáculo.

Na Beira é um convite ao contato com experiências sensíveis impregnadas de absurdo, encantamento, misterio, magia e transe. Um mergulho às profundezas encantadas que habitam em cada um de nós.

A seguir, entrevista com o grupo sobre sua participação no Arte Pará 2019.

 Orlando Maneschy: Como vocês receberam o convite para participar do Arte Pará 2019?

 CMD:

Para a CMD, foi uma imensa surpresa e enorme satisfação receber o convite da curadoria do Arte Pará, sobretudo pela relevância deste evento no cenário das artes no Brasil, e, além disso, do ineditismo da participação de uma obra de artes cênicas para integrar a programação do evento. Essas duas questões nos honram muito e fazem com que estejamos gratos pelo convite e sabedores da responsabilidade que esta participação requer de nós. A CMD terá sua participação por meio da obra “Na Beira”, que integra o Arte Pará tanto na sua versão em vídeo, concebido e editado pela CYN Produções, que está sendo exposto no MAP até o mês de Dezembro, quanto na sua versão para palco, que será apresentada no teatro Waldemar Henrique nos dias 12 e 13 de novembro, e 04 e 05 de dezembro. 

“Na Beira” é a obra da atual pesquisa de doutorado da bailarina e uma das diretoras artísticas da CMD, Luiza Monteiro. Atualmente, Luiza se encontra em Montréal, no Canadá, juntamente com o bailarino e diretor artistico da CMD, Feliciano Marques, por ocasião de uma bolsa de estudos para realizar parte de seu doutorado no departamento de dança da UQAM (Université du Québec à Montréal). Este período também é um momento de pesquisa para o amadurecimento do "Na Beira". O espetáculo já foi apresentado em uma pequena temporada em julho, pela ocasião da qualificação da pesquisadora, além de ter sido contemplado com o prêmio Pauta Por Todo Pará, da Fundação Cultural do Pará, apresentado no Teatro Waldemar Henrique no início de agosto. Para a encenação no Arte Pará, a obra passou por momentos de amadurecimento e transformações, tendo em vista o caráter processual tanto da pesquisa acadêmica quanto do processo criativo do espetáculo, no que tange ao entendimento da CMD de que a obra nunca está finalizada; sempre é passível de transformações. 

Neste sentido, estar no Arte Pará apresentando um trabalho que conecta questões de pesquisa em arte nutridas na academia e, sobretudo, no labor das etapas criativas da obra conectada a essas questões, nós da CMD vemos como uma abertura de espaço para afirmação do fazer das artes cênicas no nosso estado. Um momento de compartilhamento com os demais artistas presentes na programação do evento. Uma grande oportunidade de tornar público os conhecimentos em dança produzidos na contemporaneidade, assim como uma partilha das particularidades do trabalho artístico da CMD.

OM: Fale sobre o início da Companhia.

CMD:

A CMD surgiu dentro de uma instituição de ensino de Belém que, infelizmente, já não existe mais, o Colégio Moderno. Formada pela jovem professora de dança Ana Flávia Mendes, Gláucio Sapucahy, um professor de educação física e coordenador das atividades artísticas, dada a sua alma de artista e carnavalesco, e com eles, um grupo formado em sua maioria por antigos alunos da instituição, iniciou suas atividades em novembro de 2002, quando fortemente apoiados pela diretora pedagógica da instituição, a professora Marlene Vianna, não apenas autorizou o desenvolvimento do projeto, mas os fez entender que não bastava dançar, era necessário criar asas e aprender a voar com a dança. O princípio deste voo coincidiu com o ingresso de Ana Flávia no universo da pesquisa acadêmica em Artes, com seu mestrado na Bahia. E assim iniciou-se a nossa trajetória.

OM: Como vocês tem recebido a resposta tão positiva do trabalho de vocês local e nacionalmente?

CMD:

A responsabilidade é muito grande, pois além de fazermos nossa arte, nos tornamos referência para o trabalho de outras pesquisas coreográficas e acadêmicas. Para além disso, poder levar nossa arte para outras cidades, e assim mostrar a qualidade do que é produzido em Belém, no Pará, Região Norte e Amazônia, nos deixa extremamente felizes, pois revela o quanto o trabalho de investigação cênica que realizamos há quase duas décadas é importante para a região amazônica e para a formação de cada integrante de nossos trabalhos. O reconhecimento da mídia nos faz crer que o árduo caminho traçado até o momento é glorificante e está certo, pois é um dos meios pelos quais o público nos alcança, e a mídia espontânea está ai pra nos ajudar nessa tarefa de difundir a arte da dança como algo transformador.

 OM: Como você sintetiza o espetáculo e a videodança Na Beira?

 

CMD:

“Na Beira” é uma obra criada a partir das encantarias do corpo. Toda a visualidade cênica do espetáculo com figurino, maquiagem, corpos, iluminação, dentre outros elementos, convidam o público a mergulhar no universo poético do corpo. O espetáculo não apresenta os Encantados dos rios amazônicos, no sentido mais objetivo que podemos rememorar, como por exemplo a Iara, o Boto, a Boiúna. As encantarias do rio foram inspiração conceitual para um início de pesquisa e processo criativo voltados para os mergulhos nas encantarias de cada um dos corpos dos criadores do espetáculo. Neste sentido, o público se depara com o universo poético dos corpos dos bailarinos revelados pela própria obra. Na Beira não apresenta uma narrativa linear. Portanto, cada espectador é criador de narrativas, a partir da apreciação da obra e de suas encantarias particulares. O espetáculo tem duração média de 60 minutos e convida o público a mergulhar no universo encantado do corpo. "Na Beira" conta com a direção artística de Ana Flávia Mendes, Feliciano Marques, Luiza Monteiro e Tarik Coelho. Iluminação e produção de Tarik Coelho e CMD. Figurino de Frederico Aranda e CMD. Maquiagem de Lucas Costa e CMD. Vídeo de CYN Produções. Forografia de Danielle Cascaes. Artistas colaboradores do processo, Iara Souza e Aníbal Pacha. Para a versão do Arte Pará, o elenco da obra compõem-se por Andreza Barroso, Gleydyson Cardoso, Lucas Costa, Paola Pinheiro, Thamyris Monteiro, Victor Azevedo e Will Costa. 

 

OM: Qual a importância do Professor Paes Loureiro para o desenvolvimento da Companhia?  

 

CMD:

Paes Loureiro está diretamente ligado à CMD desde a fundação do grupo. Aliás, a fundação da CMD tem estreita ligação com a Academia de Artes. O grupo foi criado no mesmo ano em que Ana Flávia Mendes ingressou no mestrado em Artes Cênicas firmado a partir de convênio interinstitucional entre a UFPA e a UFBA. Na ocasião, o professor Paes Loureiro tornou-se orientador de Ana Flávia e assim iniciou-se essa história. A partir do mestrado da nossa coreógrafa, o professor Paes Loureiro passou a ser um amigo, conselheiro e consultor da companhia, influenciando muitas de nossas obras, tanto por sua teoria acadêmica quanto por sua poesia.

A partir de sua abordagem sobre Encantaria dos rios Amazônicos, espécie de Olimpo submerso no fundo dos nossos rios onde habitam os seres encantados da Amazônia, o professor Paes Loureiro criou a Poesia como Encantaria da Palavra, propondo pensarmos que o poeta, por meio de mergulhos no rio da palavra, faz emergir a poesia, a palavra encantada. Neste sentido, a palavra possui sua função utilitária, cotidiana, mas, nas suas profundezas, na sua encantaria, habita sua potência poética, de onde o poeta faz emergir a poesia. A partir desta perspectiva, Paes Loureiro escreveu um texto chamado “A Arte como Encantaria da Linguagem”, ampliando a perspectiva da encantaria para a arte de modo geral, ou seja, toda as manifestações artísticas são reveladoras de encantarias e passíveis de encantamento. Deste modo, Luiza Monteiro inspirou-se nesta proposição para, em sua pesquisa de doutorado, pensar um pouco sobre a Dança Imanente, teoria e prática artística da CMD, e sua relação com o universo encantado de cada corpo criador. De onde surge o gesto poético do corpo que cria a sua própria dança? Onde o corpo busca a poesia de si para criar sua dança? Quantas Encantarias e quantos Encantados habitam o ser criador? São algumas das perguntas que norteiam o que a artista-pesquisadora chama de encantaria do corpo, inspirado na proposição de Paes Loureiro, com orientação de Ana Flávia Mendes.

 

OM: Como vocês percebem o pensamento do Professor Paes Loureiro para a Amazônia?

 

CMD:

 O pensamento de Paes Loureiro é de extrema relevância para a Amazônia, sobretudo considerando a perspectiva decolonialista. Sua obra, tanto teórica quanto poética, reflete a sabedoria do nosso povo, em crenças, costumes e modos de ser reveladores de nossa ancestralidade, nos inspiram a buscar o que há de mais legítimo em nós, o que é único em nós. Ao mesmo tempo, descobrimos em nossas particularidades a universalidade dos nossos saberes. Neste processo, o professor Paes Loureiro é, sem dúvida, um ícone de afirmação da nossa cultura como construção de conhecimento.

 

OM: O Na Beira trata de matrizes de nossa cultura, como toda a ideia de encantarias. Fale um pouco sobre o espetáculo.

CMD:

A linguagem cênica do “Na Beira” torna visíveis questões muito profundas dos corpos de seus criadores. Questões estas entranhadas nas suas encantarias particulares e nas encantarias do coletivo. Ao todo somos 10 criadores em cena, mas tambem muitos outros que participam e participaram do processo de criação da obra. Portanto, a cena e seu processo criativo tornam visíveis muitos atravessamentos de questões sociais, econômicas, políticas e emocionais de cada um desses corpos, que são infinitos cruzamentos de raças, gêneros. Que são ribeirinhos, são caboclos, são água, chuva, e são muitas outras coisas juntas e em constante modificação. Nessa perspectiva, é sempre possível que a linguagem da obra se amplie cada vez mais para as múltiplas matrizes destes corpos criadores, que refletem a universalidade humana e que sem dúvida habitam em suas encantarias e emergem em poesia na cena por meio do gesto dançado.

 

 


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Na Beira

Teatro Waldemar Henriques

Dias 12 e 13 de novembro; 04 e 05 de dezembro. Entrada Franca. (Lugares limitados)

Ficha técnica

Concepção, argumento e roteiro: 

Companhia Moderno de Dança

 

Direção artística: 

Feliciano Marques e Luiza Monteiro

 

Cenografia e objetos cênicos: 

Aníbal Pacha, Tarik Coelho e Companhia Moderno de Dança

 

Figurino: 

Frederico Aranda e Companhia Moderno de Dança

 

Maquiagem: 

Lucas Costa

 

Iluminação cênica: 

Tarik Coelho

 

Operação de som: 

Renata Alves e Rafael Magalhães

 

Registro fotográfico: 

Danielle Cascaes

 

Registro em Vídeo: 

Edielson Shinohara - Cyn Produções

 

Artes gráficas: 

Victor Azevedo

 

Assessoria de comunicação: 

Patrícia Vasconcellos

 

Produção: 

Tarik Coelho e Companhia Moderno de Dança

 

Rede de colaboradores:

Ana Flávia Mendes (consultoria cênica), Iara Souza (laboratório de vivência háptica), Larissa Chaves (criadora), Luiza Braga (criadora)

 

Intérpretes-criadores: 

Andreza Barroso, Feliciano Marques, Gleydyson Rodrigo, Lucas Costa, Luiza Monteiro, Paola Pinheiro, Robson Gomes, Thamirys Monteiro, Victor Azevedo e Williame Costa.